domingo, 23 de julho de 2017

Verão

Chegou ontem, corre apressado, ansioso por atingir a meta final, receando talvez que o calor, as gargalhadas, os banhos de mar e os dias longos nos deixem demasiado felizes, como se fosse preciso dosear a alegria e o prazer, não fossem estes colocar-nos num êxtase permanente que nos tolda os sentidos.

Julho está quase no fim.

Quase não vi com que cores se vestia este ano.

O vento levou-me as tílias sem deixar-me cheirar as giestas, as mimosas e os campos de milho.

Cabe numa mão o número de ondas que o mar me deixou trespassar.

Faltei religiosamente a todos os concertos nocturnos da orquestra de grilos e rãs.

Ainda não vesti o chão de erva com a toalha aos quadrados nem escorreguei nas pedras lisas das águas de Segirei.

Vai com calma, não te apresses, se me deres algum tempo agora, eu prometo que te deixo descansar no inverno.








terça-feira, 9 de agosto de 2016

Ao meu Avô Max

Os avós assistem à chegada dos netos ao mundo, num mar de emoção e felicidade.

Os avós preenchem a vida dos netos com incontáveis momentos felizes, oferecem-lhes memórias sagradas, curam-lhes as birras, abafam-nos com mimo, não lhes abafam as opiniões, escutam-nos pacientemente, apoiam-nos, guiam-nos, apontam-lhes caminhos, presenteiam-nos com suas histórias sempre tão fantásticas e longínquas. 

Os avós são seres perfeitos na vida dos netos, e são-no pois sabem melhor do que ninguém as leis da Mãe Natureza: haverá um dia em que deixarão de viver. E nesse momento, que nunca terá data nem hora marcadas, esse momento que apenas se define pelo despontar de uma angústia que não parece ter fim, os netos ter-se-ão de lembrar do tamanho privilégio que tiveram durante a (sempre) curta convivência com aqueles seres extraordinários. 

Os avós são os pais a dobrar, ou os pais ao quadrado, nunca sei qual a designação mais correcta a aplicar.

Eu perdi o meu Avô Maximino, o eterno Avô Max, o mestre das revoluções e das mudanças, das lutas de causas, do carinho, da inteligência, da sabedoria, da sensibilidade, do surreal, da fantasia, da beleza, do prazer de viver, da doce loucura, do sonho, da alegria, da brincadeira, da irreverência, da reflexão, do pensamento crítico, da organização no caos, do amor na mais pura das formas, incondicional e sem cobranças.

A sua partida foi matreira também. A despedida foi calorosa, à sua medida. A saudade será imensa e teimosa, à sua medida mais uma vez.

Vovô, a luta continua!

quarta-feira, 15 de outubro de 2014

Minhas sinestesias

As palavras valem o que valem. São levadas pelo vento, é o que dizem. Ou então são altamente inferiorizadas perante uma imagem que, e também assim o dizem, valerá mais do que mil conjuntos de letras.

Mas eu gosto de palavras, gosto de letras, gosto de escrever, gosto muito de falar e gosto também de ouvir, nem que, para isso, tenha de arrancar as palavras a alguém através de ataques incessantes de perguntas.

Gosto de saber  pormenores sobre factos, histórias. Quase nunca me importa se o que oiço será ou não verdade. Delicio-me a ouvir pessoas em relatos sobre as suas vidas: como foram, como são, que memórias guardam, quais as defesas que vão construindo.

Parece-me que procuro avidamente prover sentido e significado às palavras, quero acreditar muito nelas para poder sentir-me protegida. Como se, assim, consiga abstrair-me dos meus pensamentos e sentimentos.

Talvez por isso tenha, desde que me lembro que existo, desenvolvido uma forma de sinestesia que não será menos do que a minha tentativa inata de concretizar as palavras, torná-las palpáveis, com cheiros, sabores, cores. Assim, elas ganham vida.

Desta forma, quase todos os conjuntos de letras têm, para mim, uma correspondência concreta: à sonoridade da palavra, quase sempre vem associado um cheiro, um sabor, uma imagem.

 Poderia construir toda uma nova linguagem, embora com uma grande falha: apenas eu saberia decifrá-la.

E o meu cérebro não se cansa de trabalhar em parceria com o meu coração e com os cinco sentidos, com o objectivo de obrigar-me a conhecer-me melhor.

terça-feira, 23 de setembro de 2014

Tempos modernos (ou não)

Apologia da cultura da Gastronomia
Encontros sociais em volta de petiscos
Pretensões culinárias giram em volta
Do fazer 
Do gostar
Pretensões de bonança
Pois parece que 
A crise não existe
Então enche-se a pança
Mas também somos
Saudáveis
Corremos
Bebemos batidos com
Sementes
Fazemos ioga
E tudo isto é um ciclo vicioso de incoerência dos nossos tempos modernos.

Já lá pensava o Charlie Chaplin...


domingo, 21 de setembro de 2014

A Ciência e eu

Definições de Arte e de Gastronomia: a Arte e a Gastronomia são as ciências mais exactas do nosso planeta, pelo menos.

A Arte é a ciência que acompanha, estuda, define e caracteriza a história da espécie humana desde a sua existência.

A Gastronomia é a ciência que documenta, testemunha e reflecte o gosto, os hábitos, as tradições e as modas da dieta da espécie humana desde a sua existência.

Factos e acontecimentos representados ou traduzidos por símbolos, signos, cores, linhas, letras, madeiras, pedras, sintéticos, processos de criatividade infindáveis. 
Arte é, também,  o mais belo produto criado pelo Homem durante o seu percurso pela Terra. É a criação sublime que pode aproximá-lo da Natureza, a grande Mãe de paisagens estonteantes.

Sobrevivência que se transforma no maior dos prazeres da vida, através da conjugação entre várias matérias-primas de origem animal, vegetal, mineral e incontáveis técnicas de preparação das mesmas.
A Gastronomia é, também, uma das maiores provas de que o ser humano terá, de facto, alguma inteligência. 
É a Magia na qual eu acredito, defendo e adoro religiosamente. 
É a optimização do emprego dos cinco sentido que resulta num pico de sensações que são só e apenas isso mesmo, não podem ser descritas por palavras, por muito que os críticos insistam.
Gastronomia é o único processo eficaz de tradução de sentimentos e sensações humanas.

A Arte e a Gastronomia são indissociáveis. Arte/Gastronomia é o binómio-chave que marca a derradeira diferença entre a espécie humana e os restantes seres vivos.

E a Gastronomia é, para mim!, a Arte por excelência.


sábado, 20 de setembro de 2014

Liberdade

Morte pode ser renovação
Renascer
Viver com vontade
Liberdade
Seguir as nossas escolhas
Desenhar a nossa vida
Ou melhor ainda
Deixar fluir
Saborear
Com Liberdade
A Liberdade.