domingo, 29 de abril de 2012

Escrever

   Aqui estou eu, na minha secretária, a tentar escrever algumas linhas. No fundo, estou a fabricar o bebé da minha tese. Bonito.
   Escrever sobre sabores é definitivamente mais aliciante...e, com este desânimo preguiçoso, já devorei um pacote de soft cookies com recheio de framboesa. Que sabor aos dias da minha infância passados na casa da vovó Marília!
   Dias em que brincava no quintal, quando estava bom tempo, ou encarnava a pele de uma bruxa cartomante na mesinha redonda da sala, em dias de chuva.
   Agora, que já sou grande, as brincadeiras são a sério.
   Mas eu hei-de brincar sempre e hei-de recordar sempre todas as bolachas da minha vida!

sexta-feira, 16 de março de 2012

Jantar de Primas

            Com a sabedoria que o caracteriza, o vovô Max costuma dizer: “Vocês muito se riem!”, referindo-se à minha prima Maria e a mim. E afirma-o com toda a razão.
            De facto, é hábito das primas a partilha de gargalhadas, e são muitos os momentos de galhofa, desde tenra idade.
            O jantar de segunda-feira foi mais um momento delicioso para acrescentar à nossa lista.
            Sentimos necessidade de mimo familiar e, para mim, nada pode ser mais “de família” do que ir a um bom restaurante, sendo genético o gosto pela cultura dos sabores. Fomos então explorar o restaurante recentemente aberto perto de minha casa, O Caçula.
            Foi uma decisão bem tomada. Desde o ambiente até à decoração, o Caçula surpreende pela sua inovação, sem abandonar o forte cunho familiar, impresso na simpatia de todo o pessoal. Na decoração, destaco os espaços sóbrios e elegantes, acolhedoramente iluminados, com apontamentos que despertam a nossa atenção: quadros com fotografias de crianças, paredes das casas-de-banho forradas com anúncios de jornais, flores frescas a animar a bancada do lavatório… pormenores que marcam a diferença.
            Escolhemos a mesa encostada à banca onde preparam as pizzas, perto também do forno a lenha, o que nos permitiu ir acompanhando todos os passos da confecção das iguarias ultra finas e crocantes.
            Enquanto esperávamos por uma delas para petiscar como entrada, fomos debicando umas fatias de pão de sementes embebidas em azeite e vinagre balsâmico, garantindo assim o acondicionamento do estômago.
            Depois, rápido passou o tempo, entre dentadas barulhentas – a massa da pizza era tão estaladiça – e conversa animada e regada com sangria de vinho branco, até que chegou a picanha, eleita para prato principal. Estava razoável; a carne não era especialmente tenra e não me convenceram os cones de massa frita que vinham a acomodar o arroz branco. Quanto ao feijão preto, estava bem confeccionado.
            Por fim, a parte mais importante: a sobremesa, claro! Aqui se destacou o jantar, com os gelados a assumir o papel principal.
            A Maria optou por um bolo quente de chocolate (delicioso!) com gelado de tangerina, mimosamente decorado com flor comestível.
            Eu optei pelo panna cotta com gelado à moda do chefe, sobremesa que, segundo me assegurara o empregado, seria uma boa surpresa. Realmente, surpreendeu-me o molho da base, com intenso sabor a manjerico, mas preocuou-me a incapacidade de decifrar o sabor do gelado. E não superei o desafio sozinha!
            No fim, o empregado desvenda-nos o mistério: o gelado era de cogumelos! É hábito do chef experimentar e fabricar os gelados caseiros e de sabores exóticos.
            Mais pitoresco foi ainda o remate da refeição, momento em que nos foi trazida uma bola de gelado para degustação, desta vez de pimento assado, um miminho da casa. Foi, sem dúvida, uma experiência diferente. Agradou-me imenso e até sugeri o gelado como acompanhamento de sardinhas numa potencial reinvenção das sardinhas assadas dos Santos Populares. Será que resultaria? O que acham? Devo dizer que me surpreendi a mim própria ao formular tal sugestão, já que sou assumida e manifestamente conservadora no que toca à confecção de pratos típicos. Fica a reflexão.
            Moral da história: percebi logo o carácter desta refeição. Seria mais material para produzir o texto desta semana; pela companhia, pelo convívio de primas num espaço agradável, descoberto e explorado por ambas em condições idênticas (nenhuma de nós tinha ainda visitado o restaurante referido); juntas descobrimos a novidade dos gelados e a casa-de-banho de jornal.
            E a semana começou para nós da melhor maneira, e nem mesmo a conta um pouco mais elevada nos impediu – senão fomentou! – mais gargalhadas.
            A mim, permitiu-me reflectir sobre a problemática das reinvenções.
            Em suma, foi produtivo!
            Voltaremos, para a próxima tem de vir o Vovô Max!

sexta-feira, 9 de março de 2012

Surpresa!

            A vida também é feita de prazeres. Quero falar-vos de dois que são fundamentais para mim: a amizade e os sabores.
            Se estes dois forem ligados pelo factor surpresa, tanto melhor!
            Pois ontem houve jantar de amigas na casa do sapo. Devo dizer que sentia falta deste momento e de todos os procedimentos que implica. Decisão da ementa – optámos pelos clássicos bifes com cogumelos - as compras em conjunto, a confecção o manjar, tudo temperado com boas gargalhadas, alguma parvoíce, e banda sonora adequada.
            A diferença deste encontro entre amigas de longa data residiu no facto de a Aida, qual raposa (boazinha!), ter andado literalmente a tramar nas nossas costas e, gravíssimo!, nas nossas barbas também, visto que somos praticamente vizinhas. Mas se é para tramas destas, que continue!
            Durante as compras, negou com veemência a ideia de comprarmos sobremesa. Estranho.
            Já a caminho da casa do sapo, alegou que teria de ir primeiro a sua casa, com o pretexto de lá deixar a carteira e os livros. Enquanto isso, a Gabi e eu ficámos em modo de espera na D. Ângela.
            Passaram-se cinco minutos e chega a Aida. Vinha acompanhada. Muito bem acompanhada.
            Pousou a sua companhia na mesa, eu soltei um guincho e estiquei a mão para alertar a Gabi, que entretanto estava de cabeça voltada a conversar com a D. Ângela. Ao avistar a famosa companhia, invadiu-a uma expressão de incredulidade, arregalando os olhos e a boca.
            Fomos assim completamente apanhadas de surpresa!
            As surpresas são especiais. Os surpreendidos nunca sonham que alguém está com o pensamento e a acção para eles direccionados. Nem sonham aquilo que os aguarda. Por sua vez, os surpreendentes (epíteto que a partir deste momento atribuo àqueles que preparam surpresas) sabem na perfeição o que faz felizes os surpreendidos.
            Só um verdadeiro amigo pode conhecer-nos ao ponto de saber com toda a legitimidade e segurança que uma mousse de menta feita à socapa vai refrescar-nos o coração.
            E foi esta a surpresa que fez a delícia da nossa sobremesa. Combinação – chave: todo o ritual próprio de um jantar de amigas, acompanhado pelo saborear da novidade de uma receita experimentada pela primeira vez. Mais  uma experiência, mais uma partilha, mais um momento daqueles que me preenchem a alma.
            Já o estômago foi preenchido por esta variação da minha sobremesa preferida, imediatamente aprovada pelas papilas gustativas, que aliás se tornaram totalmente adeptas da frescura e da inovação do sabor mas, acima de tudo, ficaram gratas pela manutenção da consistência da pasta.
            No fundo, a amizade e a mousse têm em comum um ponto que não pode falhar: a consistência.

quinta-feira, 1 de março de 2012

Regresso

            Tenho tido preguiça de escrever, o que é lamentável.
            A escrita é das melhores actividades para a nossa mente. Exercita-a, trabalha-a, oferecendo-nos um saboroso bem-estar.
            Embaraça-me esta situação. É uma auto-negligência deixar de escrever por tanto tempo, pois é para mim um prazer tão grande, que dificilmente me perdoo por deixar a preguiça dominar-me a mão.
            Decidi fazer as pazes comigo e cortar relações com a preguiça. Voltarei a escrever. Não terei medo de produzir textos que não sejam perfeitos e tentarei perceber que a perfeição, por muito que nela queira acreditar, não existe. Podemos, sim, melhorar e trabalhar as nossas capacidades e, até, descobrir e desenvolver outras! Surpreender-nos a nós próprios é dos acontecimentos mais estimulantes que podem existir.
            A escrita concretiza-me. Educa-me. Através dela, extravaso sentimentos, sensações, ideias, ou simplesmente factos (não tão simplesmente assim, mas, enfim, é um modo de falar!...). Sou livre.
            Está decidido.
            Estou até mais alegre por ter escrito estas linhas, hoje que o dia é difícil.
            Continuarei a contar-vos os sabores da minha vida. E a minha vida sabe a afectos, a experiências e a um sem fim de sabores concretos do mundo sublime da gastronomia.

segunda-feira, 14 de fevereiro de 2011

Mimos da Belinha

Ainda “a ressacar” do arroz de tordos, o almoço de Domingo, desta vez em casa casa dos Avós maternos Belinha e Bilo, reservou-me uma surpresa.
Depois do assado de costelinhas, batatas com casca, arroz branco e espigos salteados, diz a Belinha ao Bilo “Abílio, traz a sobremesa!”; SOBREMESA: ouvindo esta preciosa palavra, os meus olhos iluminaram-se, acompanhando o girar da cabeça, em direcção à Belinha, como que a indagar “fizeste sobremesa?!”, pelo que a minha avó logo esclareceu, objectiva e assertivamente, limitando-se a proferir as palavras mágicas: mousse de chocolate. Mousse de chocolate, a minha sobremesa preferida! O meu contentamento foi imediato e bem visível, tanto que emocionei a minha avó, que se comoveu com a satisfação que o seu gesto provocara.
O Bilo, que entretanto se dirigira à cozinha para ir buscar a mousse, irrompeu pela sala, de taça de vidro na mão, contendo a pasta escura, encorpada, espessa, doce. Para a apreciarmos como deve ser, devemos levar à boca uma boa colher de sobremesa, completamente cheia, para sentir o aveludado da sua consistência, aliado ao forte sabor do chocolate…
Não há, decididamente, doce tão bom. Para além do seu sabor, é a sobremesa que se adequa sempre a tudo: tem poder para rematar qualquer prato. É universal. No entanto, tem obrigatoriamente de ser bem feita, caseira, começando por ligar muito bem o açúcar e as gemas, e optando por um chocolate com grande percentagem de cacau.

O Famoso Arroz de Tordos

            Há muito tempo que não degustava este petisco que tanto aprecio. Durante a semana, enquanto falava ao telefone com o meu Pai, oiço a minha avó Marília, ao lado dele, a dizer “Diz-lhe que venha almoçar no sábado, é arroz de tordos!”; ao receber o convite, ao saber da notícia, automaticamente o meu cérebro remeteu o pensamento para uma viagem que percorreu o sabor, a textura, o som dos ossinhos dos tordos durante o seu mastigar…Sim, porque, a meu ver, os tordos são para comer inteiros, carne e ossos incluídos!
            Chegando o tão aguardado sábado, eis o que nos esperava: uma mesa para nove pessoas (Max, Marília, Ninita, Ana Maria, Pité, Miguel, Maria, João e eu), onde se dispunha um misto de chouriça de porco e chouriça de javali (muito saborosa), um bom pão trigo e, por fim, a grande iguaria preparada religiosamente pela Ana Maria: o fumegante arrozinho, bem apurado com presunto, acondicionando os tordos partidos em quartos. Que delícia!...
            A acompanhar este manjar, um bom vinho tinto, que é o que se quer. (Espero ir enriquecendo a minha cultura na área da enologia.)
            E assim decorreu a refeição, como que uma despedida da época fria da caça, pois como já disse, em breve virá a pesca, trazendo com ela as tão desejadas trutas.
             

quinta-feira, 10 de fevereiro de 2011

Tardes de Pesca

Estamos prestes a entrar na época de Pesca.
A partir de dia 1 de Março, o meu Pai (Pité), Tio Miguel, Avô Max e mais uns quantos amigos, entre tantos outros amantes dos rios e dos montes (e dos peixes!), vão finalmente poder calcorrear lameiros, espreitando os cursos de água, na ânsia de voltar a casa de cacifos cheios.
Pois bem, a pesca tem muito o que se lhe diga: depende, como em tudo na vida, dos pontos de vista, é certo. Neste momento, vou apresentar o meu, depois de passar anos a presenciar as famosas "conversas de pescas", bem conhecidas entre a minha família, disputadas entre aqueles que já referi inicialmente.
Nada melhor do que, para tornar conhecida a minha opinião sobre a pesca, definir um dos lados que esta representa para os seus amantes, membros da minha família, lado esse cuja visão também subrescrevo, reforço e sinto: a merenda.
E, a partir deste ponto, entramos ainda num outro campo, e sobre o qual não quero demorar-me, pelo menos não para já, uma vez que pretendo dedicar à MERENDA uma publicação própria; mas, adiantando-me, reparem que só a palavra, a sua sonoridade, conferem a um comum "lanche" um sabor especial...
E é assim que o meu Pai, o meu Tio e o meu Avô se equipam para um longo dia, que, para ser bom, deve começar às 5h da manhã, hora a que abalam de casa com a "Nevera" e os cestos bem recheados: bolos de bacalhau caseiros, da minha Avó Marília; linguiça e salpicão; um bom pão (elemento fundamental), trigo ou centeio; folar de Chaves (salgado, semelhante ao de Bragança, com carnes gordas); croquetes de perú caseiros; panados feitos pela Fátima (dedicar-lhes-ei também uma publicação, bem merecida); pataniscas de bacalhau caseiras; fruta.
E, para mim, que muitas vezes, em criança, acompanhava o meu Pai nestas andanças, grande parte da pesca é isto: um piquenique durante o qual vamos lançando a cana, com amostra, saltão, minhoca ou mosquito, para ver se "elas picam" (traduzindo a gíria de pesca: para tentar pescar trutas). Um momento durante o qual degustamos bons petiscos, que nos sustentam para podermos caçar matéria-prima para novas iguarias: truta frita em azeite, trutas de escabeche...
Foi por volta de Abril, era já tardinha. Estávamos o meu Pai e eu no "Areal" (local onde íamos frequentemente, no rio Terva); estendemos a toalha, prontos para "merendar". O cheiro das giestas, do lameiro e da água do rio deixaram-nos de água na boca. Preparo-me para atacar um canto de trigo, guarnecido com o tal panado da Fátima. Cuidadosa e meticulosamente, numa espécie de ritual, fui mordiscando as bordas da sandes, reservando o meio - a melhor parte! - para o fim. Fim esse que teve lugar não na minha, mas sim na boca do meu Pai...Desolada, mas não derrotada, compensei a perda com atum de lata acompanhado com pão, o que também tem o seu valor, sendo para isso necessário uma conserva de qualidade!
Nunca me esquecerei desta nem de nenhuma outra tarde de pesca.
Tardes de passeio, de alegria e de aprendizagem.